quarta-feira, 17 de março de 2010

Ansiedades

Resumo

Ansiedade, característica do Ser-humano.
Ansiedade exógena ou normal ou ansiedade endógena ou patológica.
Ansiedade difusa com episódios de descompensação.
Parâmetros etiológicos da ansiedade (psicológicos, culturais, sociais, hereditários e metabólicos).
Fobia, sintoma mais frequente e característico da ansiedade (hipocondríase, sociofobia, agorafobia, pânico).
Diagnóstico da ansiedade e diagnóstico diferencial entre ansiedades normal e patológica.
Consequências da ansiedade patológica: tabagismo, alcoolismo, pulsão para drogas, depressão, morte prematura com doença cardio-vascular.
Terapêutica: aspectos psicológicos, sociais, educacionais, metabólicos e somáticos.



A obtenção dos lobos prè-frontais do córtex cerebral que, por hominização, distanciaram o Ser-humano da família taxonómica dos seus antepassados símios, catapultou o Homem para o futuro no qual Ele se projecta, o pensa e o sente em antecipação, num comportamento de previsão (prè-visão). Esta fenomenologia fez do Ser-humano um ser ansioso.
A ansiedade é um estado de preocupação (prè-ocupação); é uma espera desesperada de qualquer coisa, pensada e sentida, a chegar do futuro; é o estado de consciência da frágil condição humana perante o desconhecido; é o conflito entre a consciência de ser senhor-dos-seus-destinos e a submissão ao sentimento de ambivalência perante um fatalismo recusado e simultaneamente aceite. A ansiedade é a vivência duma realidade interna ou externa internalizada, é a sua interpretação cognitiva e afectiva vivida em perspectiva cronológica, na qual o ansioso mobiliza o capital de emoções e de conhecimentos, adquiridos e trazidos do passado, dos espaços e dos tempos em que se situou.
Todo o Ser-humano oscila entre o futuro e o passado, entre a ansiedade e a depressividade, e ansia-se e deprime-se na razão directa do seu humanismo. Assim, não é de estranhar que a ansiedade tenha ocupado médicos, psicólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos, escritores e poetas e que todos se tenham empenhado em compreendê-la como característica do Ser-humano.
As expressões de ansiedade são extremamente frequentes. Um estudo que englobou 500 pessoas do concelho de Cascais, 280 das quais foram do sexo feminino, revelou expressividades de ansiedade, consideradas perturbantes, em 80% das mulheres e em 50% dos homens.
A ansiedade pode ser um estado normal, necessário e útil na promoção da Pessoa e na sua defesa perante uma ameaça, ou pode ter uma dimensão muito perturbante e, neste caso, o ansioso necessita de ajuda. Esta última é uma ansiedade que se manifesta desde a infância, é uma ansiedade difusa, permanente e estruturante das personalidades de quem a sofre; é uma ansiedade latente na Pessoa e susceptível de descompensações aos menores estímulos ansiógenos.
Estes dois modelos de ansiedade correspondem a duas entidades que denominarei ansiedade exógena, saudável ou normal e ansiedade endógena ou patológica e patogénica por somatização; na pessoa que a sofre existe uma vulnerabilidade que herdou no espaço e nos tempos intra-uterinos, devido a perturbações nas monoaminas biológicas, expressões de crises emocionais ansiógenas sofridas pela mulher-mãe durante a gestação.
A relação entre a ansiedade (esta perturbação do SER que afecta as tres acções com as quais são elaborados os comportamentos – a cognição, a afectividade e a motricidade) e a doença somática desenvolve-se diferente no jovem e no idoso. No jovem adulto a ansiedade é causa de alteraçõea funcionais cárdio-vasculares, respiratórias, digestivas e outras cuja persistência causa a alteração anatómica, isto é, a doença somática; ao contrário, no idoso, a ansiedade encontra a sua causa no orgânico, na “doença” degenerativa de desgaste, de usura, como sejam a osteo-artrose, a osteoporose, o climatério, a metamorfose corporal e, sobretudo, na multimorbilidade condicionante de invalidez que necessariamente é causa de angústia e de depressão. Em qualquer idade também se observa ansiedade iatrogénica por ingestão de anorexígenos, anfetamínas e outros fármacos.
O diagnóstico das ansiedades (exógena e endógena) baseia-se na interpretação dos comportamentos e de sintomas funcionais e orgânicos. A fobia é a expressão mais característica de ansiedade e, embora apresente grande versatilidade, consideraremos apenas as expressões mais frequentemente reveladas pela pessoa que a sofre:
1. Patomorfismo de fobia social em que o ansioso está inseguro e inibido de comunicar por medo de se expor a críticas.
2. Patomorfismo de pânico frequente no hipocondríaco em que a pessoa tem medo de morrer ou de adoecer; neste caso são quase sempre referidas doenças badaladas, actuais.
3. Patomorfismo de agorafobia que surge repentinamente em espaços fechados, em espaços de grandes dimensões, ou surge em grandes alturas; este desconforto pode evoluír para uma situação de pânico.
4. Patomorfismos de histeria, obsessão, depressão e de disfunção sexual, esta traduzida, no homem, por incapacidade de erecção ou por ejaculação precoce e, na mulher, por disfunção orgástica, dispareunia ou frigidez.
Caracterizado o ansioso, há que diferenciar a ansiedade normal da patológica: se a ansiedade é sociogénica, se é desenvolvida por um motivo, e só por um, que é conhecido e concreto e se progressivamente aumenta, esta ansiedade é exógena, é normal e, circunstancialmente, quem a sofre poderá necessitar de ajuda psicoterápica. É exemplo a espera de um filho que tarda; ouve-se a ambulância e noticia-se o acidente duma criança cuja idade é coincidente. Se a ansiedade surge subitamente sem motivo objectivado, se o ansioso sofre fobias múltiplas sem que lhes conheça razões nem conteúdos, a ansiedade é endógena, é patológica. É exemplo o acordar subitamente, em pânico, durante o sono, por um sintoma sonhado que o ansioso pensa poder causar-lhe a morte; ou o doente ter medo de sentir medo. O medo da morte pode suscitar o suicídio.
Na endogenia há quase sempre uma história familiar e a ansiedade revela-se na infância, na adolescência ou no limiar da adultícia.
Os sintomas da ansiedade endógena são expontâneos, autónomes sem terem sido desencadeados por qualquer circunstância conhecida; os mais frequentes são tonturas ou, mais raramente, vertigens, suores frios, parestesias, sensação envolvente de irrealidade, hipersensibilidade ao ruído e à luz, irritabilidade, taquicardia, extrassistolia, constrição na região prè-cordial, na laringe e na faringe, náusea, dispepsia, meteorismo, diarreia, disfrenia que, não raras vezes, quando intensa e prolongada, conduz à síndrome de hiperventilação. O ansioso tem consciência do seu estado mas sente-se impotente para o dominar e sente, em simultâneo, um impulso irresistível para o cigarro e uma pulsão para o alcool que, aliás, lhe resolve a situação; é por isso que a ansiedade é um considerável factor de risco para o alcoolismo e para a toxicomania; quando neste patomorfismo surge a depressão, o doente pode ter juízos que veiculam o suicídio. A regressão é frequente, com somatizações nas áreas corporais que foram atingidas no acto do nascimento: pele, aparelho respiratório, aparelho circulatório e aparelho digestivo; e também, secundariamente, o labirinto e o sistema músculo-esquelético, somatizações traduzidas respectivamente em dermopatias, disfrenias por vezes asmatiformes, extrassistolias ou taquiarritmias ou “picos” hipertensivos, discinesias gastro-esofágicas ou vesiculares ou intestinais (diarreia) e também tonturas ou síndromes vertiginosas e artralgias ou mialgias. Há que distinguir somatizações de doença somática; o início insidioso da síndrome e a fuga do sintoma relaciona-se com uma psicogenia.
A terapêutica do ansioso deve considerar aspectos psicológicos, sociais, culturais, metabólicos e somáticos. Considerando os primeiros, os psico-sócio-culturais, o doente não deve retirar-se da sua vida habitual, sempre que a ambiência em que se situa não seja exageradamente patogénica. O evitamento da ansiedade, pela fuga às situações ansiógenas ou pela denegação da realidade, é um factor de risco. Deve tentar-se, com a ajuda de psicoterapia, ultrapassar a situação patológica. É neste contexto que o médico, investido de humanismo e de compaixão na relação inter pessoal, cria empatia e assim ele é o melhor ansiolítico. Considerando os aspectos metabólicos, devem usar-se ansiolíticos preferindo a valeriana às benzodiazepinas e, dada a latência da depressão na ansiedade, há vantagem no antidepressivo que tenha uma vertente ansiolítica. Considerando os aspectos somáticos da terapêutica, salientem-se os beta-bloqueantes das catecolaminas, se não houver contra-indicações. A terapêutica deve ter a duração mínima de 6 meses e o fármaco deve ser retirado lenta e progressivamente, num desmame não inferior a 2 meses de duração.
Qualquer doença no Idoso é sempre vivida com ansiedade para além da biofísica, numa perspectiva temporal, onde abundam conteúdos de morte; por isso, toda a psicoterapia eficaz tem de ser uma cronoterapia porque tem de conciliar a Pessoa com o seu futuro.