segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Problemática do Idoso em Portugal

É facto incontestável as comunidades portuguesas envelhecerem progressivamente não só devido ao aumento absoluto do número de idosos, mas também e principalmente devido à diminuição do número de jovens. A sociedade portuguesa, envelhecida, tem menos jovens por diminuir a fecundidade e, consequentemente, a natalidade; este fenómeno é agravado pela emigração de jovens chegados à adultícia e pelo alongamento da longevidade dos velhos. Actualmente há mais caixões que berços e vão diminuindo o número de creches e de escolas e, concomitantemente surgem mais agências funerárias.

A Medicina prolongou a existência dos idosos mas não contribuiu para a sua felicidade nos seus últimos anos da sua Vida existencial, para a sua saúde biopsicossocial, para a qualidade da sua longevidade cujo bom nível está intimamente ligado á continuidade de uma actividade com sentido social, a qual mantém laços afectivos de comunicação inter-individual de respeito mútuo; pelo contrário, impera a cultura de pseudobenefícios supostamente encontrados na reforma.

Na sociedade portuguesa, o grupo etário de maior crescimento, o situado entre os 70 e 85 anos, é o que sofre mais inactividade e marginalização e hoje centenas de idosos têm mais de 100 anos de idade cronológica.

Não é o Senescente que está em decadência; são os critérios de valor de uma comunidade alienada da sua vocação humanista antroposófica sustentada por valores utilitários; mas foram estes valores que o Idoso, hoje marginalizado, outrora alienado em precariedades, defendeu, sustentou e ajudou a construir, naqueles tempos antecedentes.

A Pessoa, desde idades de infância tem sido colonizada por uma pedagogia psicossocial ao serviço de classes sociais voltadas para o “ter mais” com prejuízo do “ser mais”; para o conseguir, a classe social dominante tem criado mitos que levaram o Homem a admirar (“ad-mirar”) o “ter mais” e o alimentaram no gosto pela competição dirigida a um êxito de ascensão ao “ter” confundido no Ser, favorecendo-lhe o egocentrismo e o egoísmo relacionados com o mundo material, e favorecendo-lhe também a alienação do Ser; assim o ser humano passou a valer não pelo que É, mas sim pelo que tem, aprendeu a felicitar-se com os “teres” e assim tem entrado em falência, na senilidade. Neste clima social, a convivência do “poder” com o Amor ao Próximo, com o Humanismo, está dificultada. Todos nós devemos ter consciência desta triste factualidade, a fim de mudarmos este contexto psicossocial no qual todos nós, senescendo inconscientemente, aceitamos a coisificação do ser humano, conferindo-lhe uma valia de apenas instrumento de produção económica; este contexto é a génese da marginalização que empurra o Idoso para o esquecimento e, assim, para uma existência morta; ninguém pode viver no esquecimento. “Existir sem ser visto é uma espécie de morte” e existir sem viver a existência é suicídio, ou homicídio quando imposto pela comunidade.

Os idosos, por serem marginalizados individualmente, por possuírem o ego fragilizado e por perderem motivação e combatividade ditada pelo bom senso, têm dificuldade em formar uma classe de pressão a fim de obterem ou de conservarem o seu lugar na comunidade; por isso e para isso necessitam de uma instituição que os represente perante os governantes.

Não há justificações aceitáveis, como sejam as relacionadas com a actual turbulência económico-financeira, porque não há valores materiais nivelados com o valor do Ser humano em sua real dimensão psicossocial, histórico-cultural e espiritual. Os idosos sofrem fundamentalmente e sucessivamente de Diferença, Marginalização, Isolamento, Solidão, Indiferença, Depressão, Silêncio de ruina, Esquecimento, Desistência e Morte.

Terão os governantes deste País conhecimento desta consternadora situação? Se tiverem e não sentirem o sofrimento desta Gente, são incapazes de amar por défice de afectividade; mas, se o sentirem e nada fizerem, são deficientes, deficientes éticos por défice espiritual. Esta sucessão de comportamentos incidentes e inerentes no Idoso têm, por corolário, três síndromes tão bem caracterizados quanto mascarados:

  1. Medo de ansiedade perante o desconhecido – a morte;
  2. Desgosto e depressão perante o conhecido – a velhice;
  3. Vergonha por perda narcísica – a recusa da sua dignidade, como Ser humano.

Nesta problemática que realça a dor moral do Idoso, além da sociedade, além das aprendizagens, além dos governantes e do próprio Idoso, também os médicos devem ser responsabilizados. A finalidade da Escola Médica deveria ser ensinar o futuro médico a bem comunicar com quem sofre; o maior drama da Medicina é o médico continuar a olhar linearmente para a doença sem perceber que esta é a linguagem do Idoso que, através do seu corpo, lhe pede ajuda para o seu sofrimento, a sua angústia, a sua solidão, o desprezo a que o sujeitam no esquecimento; sem perceber que o Idoso vive a sua Dor, para além da biofísica, num “futuro” feito de angústia no qual há ruminações de morte; sem perceber que a sua doença é já uma tentativa, a sua tentativa, de se curar; sem perceber que o Idoso sofre essencialmente do pensar e do sentir, - o maior dos sofrimentos.

A classe social que maior significado tem para o Idoso é a Família que deverá sempre ter presente que ajudar o Idoso não é substituí-lo no que ele possa fazer; ajudá-lo é permitir que ele continue a viver as suas experiências confiadamente, em liberdade, sem inibições; é alimentá-lo na esperança de poder sempre superar-se. Deverá saber também que o seu familiar idoso é um ser diferenciado, porque idêntico a Si mesmo, pelo que lhe deve conferir o direito de ele ser o que É e não o que entenda ou o que deseje que ele deva ser; porém, infelizmente há alguns velhos que, por não amadurecerem, devem ser orientados nos seus comportamentos; refiro-me exclusivamente àqueles que só envelheceram e se transformaram em pretorianos do passado, àqueles que convertem o mando em tirania quando, sedentos de poder, julgam que o poder se lhes escapa; não aprenderam que a tirania é um percurso sem fim nem esperança.

Jovem, Tu que por enquanto vives a tua juventude, não te desprezes em antecedência, não te humilhes em antecipação, esquecendo a existência do Velho ou desvalorizando o envelhecer. Tu estás a envelhecer.

Ser velho é um privilégio; ser jovem é um compromisso.

Luta hoje pelo que desejarás amanhã para a tua velhice. Ajuda com vigor e com fé, aquela fé que não dá certezas mas estimula a acção, a construir uma sociedade que servirá os teus interesses que estão chegando do futuro.

Ultrapassa o medo que a velhice te imprime e que te leva a segregá-la, a esquecê-la ou a ignorá-la.

Despreza a beleza estereotipada por inexpressiva. O Ser humano só tem uma cara quando a existência, vivida com emoções, lhe risca a face; essa é a Beleza.

Tu, meu querido Velho, não te avalies pelo que perdeste; antes aproveita o muito que ainda tens de válido para ofereceres à Comunidade, onde todos nós nos situamos.

E tu, Sociedade, pede, não desprezes, aceita e admira a riqueza que os teus velhos querem oferecer-te.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Metamorfismos da Senescência, uma Problemática de Perspectivas

A senescência relativa à existência do Ser Humano é um processo biopsicossocial que se inicia na concepção, prossegue no nascimento, na infância, na adolescência, na adultícia, na senilidade e termina na morte. É um processo que actua durante toda a Vida existencial em progressivo desígnio de libertação e autonomia seguido de involução, também progressiva, na qual há perdas biopsicossociais em razão inversa àquela em que foram adquiridas, rumo à senil(idade).

Este dinamismo metamórfico existencial desenvolve-se condicionado aos espaços e aos tempos em que o ser humano se situa, em dialéctica.

Neste involuir o Senil, começando por desprezar o presente e recear o futuro, retrocede para espaços e épocas antecedentes por ele vivenciadas, nas quais tendencialmente se fixa e vive porque lá, neles, ficaram retalhos da sua vida existencial.

É este um comportamento reactivo, de cariz teleológico, à sua existência, agora morta por sofrimento progressivo de diferença, marginalização, isolamento, solidão, indiferença, depressão, silêncio de ruína, esquecimento, desistência e também, muitas vezes, doença cognitiva-afectiva alzheimeriforme.
É que os tempos e os espaços valem só o seu conteúdo; tempo sem fenómenos não existe, nem espaço sem factualidade. Por isso, o Idoso encontra-se lá e lá experimenta alguma qualidade e justificação para continuar a viver a sua existência.

Este conceptualismo é mais que realidade; é Real, absoluto e é mais que necessário; é imprescindível no pensar a humanitarista assistência ao Idoso, permitindo que ele continue a viver as suas experiências confiadamente, em liberdade e autonomia numa ambiência de qualidade tão boa quanto possível.

Compreender o Idoso é uma problemática de perspectivas e é uma das nobres missões do médico geriatra. Há porém dificuldades.

Porque não é exequível deslocar as vivências do Idoso, fixado no passado, para o tempo presente no qual ele não se revê e encontra desorientação temporo-espacial, tempo incompatível com o seu misoneísmo, com as suas dificuldades adaptativas e a sua bradipsiquia, teremos de ser nós, médicos e cuidadores a deslocarmo-nos aos seus ambientes passados; aqui haverá encontro, entendimento, prazer restituído, vivência gratificante, melhoria dos seus défices psicológicos. Para tanto dispomos de dois instrumento primordiais que são mais “psicomatéria” que matéria prima concreta; eles aproximam-nos do Idoso e permitem que ele revivencie o seu tempo através de diálogo que preencherá algumas horas do seu dia. São eles a música e a fotografia desta época. Esta música, para o idoso não é som para os ouvidos, não é som escrito em pauta; é principalmente sensações, alegrias, paixões, melancolias, erotismo, factualidades, vivências, reminiscências inconscientes agora consciencializadas, reocupações, VIDA. A fotografia dos tempos e dos espaços em que o Idoso se situou são também óptimos auxiliares de revivescências.

O diálogo que resultará destas diligências deverá ser iniciado espontaneamente pelo Idoso e que nunca seja esquecido que dialogar é mais saber ouvir que saber dizer; devemos permitir que o Idoso mitigue a sua necessidade de falar, o que lhe mobilizará a cognição, a memória, a afectividade e também a motricidade.

Percepcionaremos a época e o espaço nos quais o Idoso se fixou não só pela informação de familiares, mas também pelo que o Idoso diz, pelas suas reminiscências e lamentações, e ainda pelos auxílios histórico, geográfico, cultural e o dos “usos e costumes”. Estas terapias, em alguns casos, recuperam para o Idoso tempos mais aproximados pela paulatina memorização das suas vivências, a partir da época em que se fixou para a actualidade; oferecem-lhe qualidade de vida existencial, menor sofrimento e melhores performances comportamentais. Beneficiam também o cuidador protegendo-o da “síndrome burnout”.

A senilidade não deve continuar a ser involução que isola; terá de ser desenvolvimento que socializa, terá de ser encontro, contemplação, humanização. Afinal onde se encontra a força do Ser Humano? Será só no impulso inconsciente inicial para a existência ou será também no desenvolvimento da Vida existencial?

A decadência relacionada com o senescer é principalmente biológica, não é a da verdadeira dimensão do Ser Humano – a espiritual, que é a sua Essencialidade.  Sejamos conscientes de nós próprios.