domingo, 18 de março de 2012

Vocação, Ética e Lucidez em Medicina


A vida que não é examinada não é merecida porque, sendo inconsciente de si, não percepciona a oportunidade.
Na dialéctica entre a ciência médica e as leis da natureza, são sempre estas que prevalecem.
A ciência médica vale pela procura da Verdade que nunca  alcança; ela conduz-nos apenas a validades que são precaridades, falhadas cópias de falsidades, mas é também a nossa imprescindível muleta que justifica e valida os nossos actos.
A experiência é enganosa; ela e o erro nela escondido são os nossos mestres, quando meditados e consciencializados.
As noções aprendidas na Escola Médica são apenas ferramentas, material utilitário para, perante o Doente, pensar e fazer Medicina; elas não devem ser aplicadas, na sua fria indiferença, o que seria apenas aplicar ciência médica dirigida apenas à doença. Medicina é muito mais e dirige-se ao Doente. Uma doença é um ter; o Doente é SER.
A mesma doença não é igual em dois doentes nem, no mesmo doente, é igual no passado, no presente e no futuro porque, considerando-a num presente einsteiniano, a doença é modelada pelo Doente no seu caminhar peloTempo.
Diagnosticar é entender e sentir o sofrimento do Doente, com ou sem doença; a convicção diagnóstica é o produto da conjugação de sabedoria com  intuição,  opinião,  crença e  afecto, modulados pelo critério da humildade, perante o Doente "Objectum".
A terapêutica do Ser Humano sofredor não é só ciência; é também compaixão, intuição e muita sensibilidade veiculadas no diálogo, fruto da relação empática gerada pela observação recíproca doente-médico.
Observar é relacionar-se, é o despertar do afecto que estimula o pensamento e também o entendimento de sons para-linguísticos, vocalizações do sofrimento feitas de vogais (ai! ui! ó!) que as consoantes moderam formando palavras realçadas validamente pelos silêncios. É esta dialéctica palavra-silêncio concretizada em linguagem corporal gestual  que solicita a terapia onde se encontra o afecto que confere razão e essencialidade à Medicina.
A Medicina é muito mais uma missão que uma profissão. A dignidade e a ética do médico revelam-se só quando ele entende e sente anancasticamente a sua entrega em disponibilidade permanente, através de toda a sua Vida existencial. É por isso que o médico não deve, não pode, sujeitar-se a horários convencionais; o sofrimento também os não tem; é por isso também que a polémica conflituosa que advém do economismo relacionado com a práxis da Medicina é aberrante porque ferida de irracionalidade e conspurcada por minudências inadequadas à qualidade da produção. O Trabalho não é vendível; vale sempre muito mais que o dinheiro que lhe é atribuído. Esta exatidão axiomática de princípio, investida de perenidade, é particularmente agigantada no exercício da Medicina pelo que, constitui uma afronta o abrangimento desta área pelo sindicalismo; o sindicato é indispensável ao operariado e a universos análogos, como o dos “médicos profissionais” com as suas problemáticas económicas, de greves, de “horas extraordinárias”, de condições de trabalho, etc., etc.,etc..
A profissão é paga por valores convencionais relacionados com a unidade de tempo; a Missão vive fora das convenções e o seu tempo não é o tempo do salário. O médico dado à Medicina na sua totalidade deve usufruir,  para sua libertação em benefício de outrem, de independência económica; não deve ser pago pelo trabalho realizado mas sim pago para, liberto, poder trabalhar.
É um grande privilégio ser médico quando a sua interioridade se verte, em compaixão universalizada, na entrega ao sofrimento do Ser- humano, sem horários perturbantes e interesses menores, em catatimia compassiva. Exercer Medicina é um transcendentalismo epistemológico aplicado ao Doente; é um misto de ciência e conhecimento numénico, aquele que vai além das aparências sensíveis.
Este conceptualismo deve preencher, em permanência, a interioridade do Médico, conduzindo-o à dignidade e à resiliência para uma boa saúde mental, força espiritual e Felicidade.