domingo, 8 de junho de 2014

ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA RELAÇÃO MÉDICO-DOENTE

Resumo

A comunicação que se segue tem por objectivo deixar-vos à reflexão ferramentas filosóficas e psicológicas que possam constituir matéria de doutrina para uma relação, na situação terapêutica; quero dizer que desejaria que estas considerações nos conduzissem a um silêncio meditativo que confira sentido às palavras e conteúdo ao futuro da nossa práxis.

Relação médico-doente: indivíduos diferentes num espaço e tempo comum

Na relação médico-doente confrontam-se dois indivíduos antropologicamente diferentes, num espaço e num tempo que lhes é comum. Cada um deles tem um tempo interior (ritmo bio-psicológico) diferente; adquiriram uma aprendizagem psico-social diferente; podem vir de tempos e de espaços diferentes; têm uma estrutura cognitiva e afectiva diferente; as suas histórias bio-psico-sócio-culturais são diferentes; cada qual, frente ao outro, é ser cognoscente e cognoscível e é ser que sente e é sentido. Este contexto confere complexidade à relação inter-individual e pode dificultar a comunicação e a eficácia do acto médico.
Comunicar é, por enquanto, expressão corporal que pode incluir a palavra; é dialogar e dialogar é criar no Outro, é tentar acender alguma luz no Próximo; muitas vezes o próximo sou Eu mesmo. O diálogo converte o Tu e o Eu em Nós; no diálogo o indivíduo deve despir-se de orgulho e de intolerância e vestir-se de humildade e de compreensão.
Doente e médico, face a face, encontram-se para uma relação inter-individual, relação entre dois indivíduos confrontados, ambos portadores duma mesma consciência, a da Espécie Humana, e duma evocação, isto é, de memórias inconscientes antroposóficas. Cada um deles é Ser cognoscente e cognoscível e é Ser que sente e é sentido, isto é, cada qual, em relação ao outro, é sujeito e é objectum ligados por uma linguagem-comportamento que implicita as três acções do Homem: cognição, afectividade e motricidade. Na expressão, veículo destas acções, predomina a palavra dinamizada pelos órgãos mais ricos em semântica: os olhos, a laringe e as mãos. Cada um deles, face a face, pensa o Outro e, se consciente de Si, pensa-se Ser pensado pelo Outro, pensa-se Ser pensado por Si, pensa-se “Ser pensador” e ainda, sente-se Ser sentido pelo Outro, sente-se Ser sentido por Si, sente-se “Ser sensível”.
Neste contexto, que confere complexidade ao acontecer da relação inter-individual, poderão desencadear-se as acções que satisfazem as necessidades de cada um, condicionadas pelo espaço e pelo tempo da circunstância de ser Doente e de ser médico; então, acontece o diálogo que pode incluir, também a palavra. Cada um deles diz palavras que, ditas descuradamente por um, podem ter um conteúdo semântico, diferente do desejado, para o outro, não só porque as circunstâncias de ser Doente e de ser médico são diferentes, mas também porque cada indivíduo é o corolário do seu passado, da sua aprendizagem psico-social adquirida desde o seu nascimento, se não desde antes; cada um deles vem de espaços, de tempos e de culturas diferentes. Em consequência, o equipamento cognitivo e afectivo que cada um traz consigo é diferente. Isto pode dificultar a relação inter-individual na situação terapêutica; por isso, o Médico antes de saber dizer deve saber ouvir com humildade, paciência e disponibilidade.
Médico com mais convicções que compreensão não dialoga.
Todo o comportamento do Homem é memória (cognitiva, afectiva e motriz) em acção; a memória endocrínica, a imunitária, a genética, a da Espécie e a memória inconsciente são exemplos.
Doente e médico, confrontados e situados num espaço que aparentemente lhes é comum e que, em verdade, é pertença dos dois, agem mobilizando o equipamento conferido pelas suas experiências vividas, gratas e ingratas, memorizadas, conscientes algumas e outras inconscientes.
Aquele espaço poderá ser o hospital, o centro de saúde, o consultório, a residência do Doente ou a do médico, ou outro e nele, médico e Doente agem, condicionados pelo estatuto instintivo, arquetípico, de propriedade e de territorialidade, o que implica a situação indesejável de dominante e de dominado e consequente e respectivamente, de prováveis presenças agressivas e inibidas, o que também compromete a relação cognitiva e afectiva na situação terapêutica. Mas, ainda que o médico, consciente destas impediências, as ultrapasse ou as minimize através dum diálogo inteligente, o Doente para ele é apenas o produto duma interpretação superficial que é a sua e que não vai além das aparências sensíveis; ela é apenas a imagem devida ao processo de assimilação-operação-utilização com acomodação, de Jean Piaget; esta construção, condicionada pela instância do Doente, é edificada no médico, por ele mesmo, e causa-lhe uma psicometamorfose que poderá ser positiva ou negativa para o reequilíbrio da relação, perturbada no Doente ocupado em esforços de reorganização da sua identidade inibida, inferiorizada, desvalorizada ou insegura.

A defesa da dignidade do Doente

Esta análise pretende meditar as dificuldades na relação médico-Doente e as de estabelecer a dignidade do Doente que lhe é necessária e imprescindível, mas também, só por si suficiente para uma eficiente relação empática, para uma desejável comunicação.
O Ser Doente é um ser perturbado, em desequilíbrio prolongado, com dificuldades de reequilibração; é vulnerável, fragilizado e conduzido por determinantes externas e internas a uma crise dialéctica que se expressa no ambiente eco-social ou, quando este é insuportável, o Doente não se expressa e mergulha no seu mundo imaginário, interior, incomunicável, psicótico, que ele livremente contesta e modifica, para que viver lhe seja auto-permitido. Urge que sejamos conscientes desta patologia, para que a nossa intervenção seja humanista e nunca patogénica. Qualquer destes homens, o neurótico ou o psicótico, com ou sem somatizações funcionais ou orgânicas, anela pela liberdade de Ser; liberdade até de ser neurótico ou psicótico quando não lhe é permitido ser Homem-senhor-dos-seus-destinos.
A dignidade do Doente implicita a dignidade interveniente do médico porque só este lha poderá defender, que não a Instituição, que não a Sociedade; estas, pelo contrário, têm subvertido o Homem a valores pré-estabelecidos, utilitários, convencionados e convenientes à classe dominante, através duma educação psicossocial colonialista, exercida nele desde o seu nascimento; sempre que um homem despreza ou contraria esses valores que a sustentam, a Sociedade reprime-o e marginaliza-o. Lembro-vos o desempenho de Jack Nicholson no filme “Voando sobre um ninho de cucos”, em que é realçada esta problemática, presente também nas recentes intenções vindas do Ministério da Saúde, e interrogo-me se não será lícito pôr em causa a leucotomia como terapêutica (não, obviamente, como investigação do respeitabilíssimo e galardoado Egas Moniz). Mas o médico, se não servir o convencional, os conceitos e os lugares comuns elevados ao nível de morais, tingidos de pseudo-metafísicas, estabelecidos pela classe social dominante, também ele, pode ser silenciado, marginalizado ou impedido de agir em favor do Doente desprotegido; é que tal sociedade exige que o Médico recupere o Doente para que continue a defender-lhe os valores que a sustentam e não que ele seja recuperado para a sua emancipação ou para conseguir autonomia, capacidade crítica e combatividade afectiva, não viesse ele contestar a estrutura social, não viesse ele abalar os alicerces do Poder. Este contexto é muito evidente no Doente psiquiátrico, no Adolescente e no Doente geriátrico; por isso eles são empurrados para o universo do esquecimento, sendo certo que nenhum deles, especialmente o Idoso, solicita paternalismos; eles só pedem que não os empurrem.
Não há País válido com silenciados e dependentes.
O médico, quando consciente da dignidade que deve presidir à sua práxis de acção-reflexão, não deve ceder às intenções necrófilas da classe social dominante, mas antes agir em comportamentos autónomos, inovadores e até, se necessário, de transgressão social, mas sempre fiel ao Humanismo e ao Hipocratismo que o sustenta.
É que ser livre apenas de aceitar não-ser-livre perverte e contraria gravemente as consciências, a antroposófica e a da Espécie, que vivem em todo o Ser Humano. É o respeito pela liberdade do Homem viver a sua existência, através das suas experiências, na satisfação das suas necessidades, é o conferir-lhe a liberdade de crescer em espírito, de pensar, de sentir, de se expressar, de agir, que caracteriza a dignidade do Médico, na defesa da dignidade do Doente. O SER- Humano seja ele doente, saudável ou médico, não pode pensar-se livre enquanto for apenas livre de aceitar o passado que lhe construíram e o futuro que pretendem destinar-lhe. O Homem deve viver livremente a sua existência consciente de Si; todavia, o conceito de liberdade merece-nos algumas reflexões.

Liberdade e condicionantes da vida existencial

O Homem, como qualquer Ser biológico, está fatalmente sujeito a três determinantes, intrincadas entre si, as quais ditam a sua Vida existencial:
1. Consciência Teleológica da Espécie - expressa no “instinto de conservação da vida” que leva o Ser-Humano a agir, numa dinâmica de sobrevivência, sujeito aos imperativos finais da Espécie. Através dos seus comportamentos primários, pulsionais, hipotalâmicos, (beber, comer e copular), o Ser-Humano eterniza-se, porque a Espécie Humana é dotada, através da corporificação, de uma juventude e de uma Vida existencial perpétua; o corpo, subestrutura do SER, alberga em si o fim do existir, a “morte”, mas também é receptáculo das células germinativas que veiculam a Imortalidade; entenda-se, a da Espécie cuja Teleonomia permite que, desde os primeiros momentos, o recém-nascido sobreviva, graças ao aparelho hipotálamo-recticular, de maneira inata e reflexa, por comportamentos primários indispensáveis à sua Vida existencial orgânica e vegetativa elementar; ele mama sem saber que está a mamar e sabe mamar sem saber que sabe. Esta condição é o alicerce determinante de o Homem, durante toda a sua Vida existencial, pensar fazer livremente o que faz por fatalidade.
2. Ambiente Eco-Social na sua dimensão temporal - Cada homem é o corolário da existência vivida pela criança que foi; tudo o que um homem faz, na comunidade, foi aprendido numa aprendizagem psico-social.
3. Factor Genético - explícito na vulnerabilidade corporal desenvolvida, desde o nascimento, através da senescência, numa dialéctica de insistência de o SER-Humano se manter existente.

Assim, até que ponto somos livres nos nossos comportamentos? Não estará o Homem limitado, em sua liberdade, por sujeição aos condicionamentos do corpo, aos condicionamentos do existir? É que o Homem julga-se livre quando satisfaz as suas necessidades, ultrapassando o conflito, isto é, quando a motivação não é reprimida pelo automatismo social límbico. Assim, liberdade é uma realidade virtual, é uma efemeridade, é um pensar e um sentir, em inconsciência da não-liberdade.
As realidades são apenas a sua interpretação, são apenas a sua imagem, são o que cada um de nós pensa e sente delas; mas deveriam ser e virão a ser o “númeno”, o “a priori” de Kant, que é a “alma” da coisa, é o que está para além das aparências sensíveis, para além do superficial.

A dignidade interveniente do médico

Na relação médico-Doente, o médico deverá intervir em pedagogia heurística, isto é, o Médico deverá ajudar o Doente a descobrir-se, a encontrar-se, a conhecer as causas e as razões do “seu adoecer”, do “ser doente” ou apenas do
“ter doença”; deverá ajudá-lo a adquirir Consciência de Si.
O Médico terá de assumir-se responsável, mas responsabilizado por Si e não pela instituição, não pela convenção, não pela sociedade; terá de confrontar-se com a exigente responsabilidade endógena e de conferir a dimensão certa à aligeirada responsabilidade exógena, quase sempre falsa ou submetida a interesses materiais. Só o Médico digno confere dignidade ao seu acto, na defesa da dignidade que vive no Doente, e médico digno é aquele que conhece as suas indignidades, os seus erros, as suas limitações; é aquele que suporta o seu acto e todas as consequências dele, é o que não liberta as suas frustrações em agressividade no Outro; o Outro muitas vezes é o Doente. O respeito por Si e pelo Outro deve ser o corolário do saber já que, só assim, é respeitado o não-saber, no Outro e em Si. No cerne do não-saber encontra-se a inquietação, a dúvida e a necessidade filosófica que dinamizam o médico na via da sabedoria. A dignidade implicita mérito e demérito, punição ou merecimento, direitos e deveres; mas o mérito e o demérito do Homem não são hereditários mas sim adquiridos nos espaços eco-sociais, nos quais se situou desde o nascimento e, à medida que o adquirido o foi estruturando, o inato foi perdendo grandeza.
A noção de mérito pessoal também deve ser repensada para que a dimensão do Homem seja corrigida e reduzida à de homem modelado pelas determinantes já referenciadas: a Consciência Teleológica da Espécie, o meio eco-social e o factor genético. Cada homem é portador de todos os outros que lhe forneceram ou condicionaram pensamentos, sentimentos e movimentos; quero dizer que cada homem contém os outros homens com o equipamento do saber que eles lhe permitiram e como lhe permitiram. Em todos eles se encontram, em evolução, numerosas personalidades do EU; entre nós todos, há uma osmose cognitiva e afectiva. São as mulheres e os homens, em conjunto, que constituem o conceito de SER-HUMANO numa visão universalista de realidade, de exatidão e de Verdade que constitui doutrina imprescindível na práxis da Medicina holística.
Nós entendemos a miséria física e espiritual de outrem porque a conhecemos em nós; só compreendemos bem o que já sabemos ou o que nele se possa integrar pelo que, quando criticamos os outros, estamos inconscientemente em autocrítica, condenando no outro o nosso defeito, com o intuito, também quase sempre inconsciente, de propalar a nossa falsa integridade.
Esta consciência deve conduzir-nos a muita humildade porque, quando julgamos o Outro, estamos a julgar alienadamente o universo Humano no qual nos incluímos. Em critério heurístico e consciência axiológica, o Homem não deveria ser julgado pelo que faz mas antes pelo que É porque, Quem faz, aquilo que faz, é Aquilo que a Pessoa É.
O genótipo de um homem, o seu capital genético, deve ser considerado mais um conjunto de potencialidades que de desculpabilizantes inferioridades pré-determinadas ou fatalidades. A fatalidade tem íntimas relações com a ignorância; hereditário é capacidade de sermos e o que somos é não só desenvolvimento por nós fomentado daquela capacidade, informação, memória em acção, consciencialização, responsabilização e esforço nosso, mas também é algo adquirido dos outros e, de certo modo, pertence-lhes, quero dizer, as nossas acções são também condicionadas pelos outros e nós, em inconsciência, julgamo-nos a agir em absoluta autonomia e isenção; porém nem o Absolutismo é compatível com a Vida existencial do Ser humano, nem ninguém, por mais isento que seja, conseguirá ser isento de Si mesmo.
Perante o Doente, sejamos lúcidos, humildes, solidários, compassivos, distanciando-nos de nós, na aproximação e na entrega a Ele. Sejamos felizes dando afecto a quem sofre; sejamos felizes na Felicidade dos outros. Na dádiva encontra-se a solidez da Riqueza que felicita; as outras riquezas são ambíguas, efémeras em felicidade e contêm em si a pobreza do “ter” e o desencanto da precaridade. O afecto, o Amor, é uma emoção que, por ter a grandeza do Infinito, é em nós incompleta porque o Limite é por nós inatingível; mas Ele, o Amor, não sendo efémero, é perturbantemente oscilante e, no entanto, no seu oscilar, dura mais que a existência, dura a VIDA. É no Amor que o médico encontra a sabedoria aplicável no Doente, mercê das ferramentas adquiridas na Escola e também noutras aprendizagens e é pelo Amor que o médico se eterniza para além da sua existência, para além do seu corpo, para além da morte; porque morrer não é só não existir, é desistir de existir, é perder o corpo que confere existência ao SER.

As efémeras validades científicas

Termino; mas, não antes de uma curta vadiagem intelectual a sublinhar as nossas limitações recusadas e os nossos sonhos, a realçar a necessária e imprescindível aquisição de consciência do que somos. Com o tempo consumido na nossa práxis e depois de sacudidos pela perplexidade da euforia que adveio de nos julgarmos senhores do saber, tomamos consciência do quanto aprendemos com a dúvida e com o erro, e também com a tristeza, com a dor, com a desgraça e com o sofrer daqueles que nos pediram ajuda; hoje, mais humanizados, questionamo-nos: que sabemos nós do que julgamos saber? Havendo muitas diferenças entre nós no saber, como somos impressionantemente iguais no infinito da nossa ignorância!
Constatamos que a Ciência, na procura da Verdade, é uma falhada cópia de sucessivas falsidades validadas, de efémeras validades que, até hoje, só nos ofereceram precaridades. Constatamos que pouco mais possuímos para além das ilusões de possuir e, não obstante, as validades enquanto duram, são reais e são necessárias para nós e para o Doente, e imprescindíveis quando impregnadas de magia e de humanismo; assim, elas são a “psicomatéria” da relação empática na situação terapêutica. É que a Medicina sem imaginação, sem intuição, sem sonho, sem magia, carece de Arte e é ruína espiritual; mas a Arte, não apoiada pelo conhecimento, é ruina maior. A Ciência nunca deveria separar-se do fantástico; o nosso equilíbrio e o nosso sucesso encontrar-se-ão na realidade do fantástico; isto foi o segredo de Freud, de Einstein, de Copérnico e de Galileo, de Newton e doutros. As regras científicas são meras estatísticas de transparência contestável; e certo é que a Ciência, infelizmente, nunca conteve o definitivo ou o irreformável, mas apenas o provisório que obriga à revisão; todavia, devemos nutrir a esperança de que, à força de progredir, a ciência médica acabará por atingir, em visão antroposófica, alguma coisa válida, real, e perfeita, em que um homem de bom senso possa acreditar.
A caminhada para a Perfeição é tão assustadora como inebriante mas, não desistamos, não tenhamos medo do perfeccionismo, porque ninguém de boa saúde mental pode temer o que ninguém alcança.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Problemática do Idoso em Portugal

É facto incontestável as comunidades portuguesas envelhecerem progressivamente não só devido ao aumento absoluto do número de idosos, mas também e principalmente devido à diminuição do número de jovens. A sociedade portuguesa, envelhecida, tem menos jovens por diminuir a fecundidade e, consequentemente, a natalidade; este fenómeno é agravado pela emigração de jovens chegados à adultícia e pelo alongamento da longevidade dos velhos. Actualmente há mais caixões que berços e vão diminuindo o número de creches e de escolas e, concomitantemente surgem mais agências funerárias.

A Medicina prolongou a existência dos idosos mas não contribuiu para a sua felicidade nos seus últimos anos da sua Vida existencial, para a sua saúde biopsicossocial, para a qualidade da sua longevidade cujo bom nível está intimamente ligado á continuidade de uma actividade com sentido social, a qual mantém laços afectivos de comunicação inter-individual de respeito mútuo; pelo contrário, impera a cultura de pseudobenefícios supostamente encontrados na reforma.

Na sociedade portuguesa, o grupo etário de maior crescimento, o situado entre os 70 e 85 anos, é o que sofre mais inactividade e marginalização e hoje centenas de idosos têm mais de 100 anos de idade cronológica.

Não é o Senescente que está em decadência; são os critérios de valor de uma comunidade alienada da sua vocação humanista antroposófica sustentada por valores utilitários; mas foram estes valores que o Idoso, hoje marginalizado, outrora alienado em precariedades, defendeu, sustentou e ajudou a construir, naqueles tempos antecedentes.

A Pessoa, desde idades de infância tem sido colonizada por uma pedagogia psicossocial ao serviço de classes sociais voltadas para o “ter mais” com prejuízo do “ser mais”; para o conseguir, a classe social dominante tem criado mitos que levaram o Homem a admirar (“ad-mirar”) o “ter mais” e o alimentaram no gosto pela competição dirigida a um êxito de ascensão ao “ter” confundido no Ser, favorecendo-lhe o egocentrismo e o egoísmo relacionados com o mundo material, e favorecendo-lhe também a alienação do Ser; assim o ser humano passou a valer não pelo que É, mas sim pelo que tem, aprendeu a felicitar-se com os “teres” e assim tem entrado em falência, na senilidade. Neste clima social, a convivência do “poder” com o Amor ao Próximo, com o Humanismo, está dificultada. Todos nós devemos ter consciência desta triste factualidade, a fim de mudarmos este contexto psicossocial no qual todos nós, senescendo inconscientemente, aceitamos a coisificação do ser humano, conferindo-lhe uma valia de apenas instrumento de produção económica; este contexto é a génese da marginalização que empurra o Idoso para o esquecimento e, assim, para uma existência morta; ninguém pode viver no esquecimento. “Existir sem ser visto é uma espécie de morte” e existir sem viver a existência é suicídio, ou homicídio quando imposto pela comunidade.

Os idosos, por serem marginalizados individualmente, por possuírem o ego fragilizado e por perderem motivação e combatividade ditada pelo bom senso, têm dificuldade em formar uma classe de pressão a fim de obterem ou de conservarem o seu lugar na comunidade; por isso e para isso necessitam de uma instituição que os represente perante os governantes.

Não há justificações aceitáveis, como sejam as relacionadas com a actual turbulência económico-financeira, porque não há valores materiais nivelados com o valor do Ser humano em sua real dimensão psicossocial, histórico-cultural e espiritual. Os idosos sofrem fundamentalmente e sucessivamente de Diferença, Marginalização, Isolamento, Solidão, Indiferença, Depressão, Silêncio de ruina, Esquecimento, Desistência e Morte.

Terão os governantes deste País conhecimento desta consternadora situação? Se tiverem e não sentirem o sofrimento desta Gente, são incapazes de amar por défice de afectividade; mas, se o sentirem e nada fizerem, são deficientes, deficientes éticos por défice espiritual. Esta sucessão de comportamentos incidentes e inerentes no Idoso têm, por corolário, três síndromes tão bem caracterizados quanto mascarados:

  1. Medo de ansiedade perante o desconhecido – a morte;
  2. Desgosto e depressão perante o conhecido – a velhice;
  3. Vergonha por perda narcísica – a recusa da sua dignidade, como Ser humano.

Nesta problemática que realça a dor moral do Idoso, além da sociedade, além das aprendizagens, além dos governantes e do próprio Idoso, também os médicos devem ser responsabilizados. A finalidade da Escola Médica deveria ser ensinar o futuro médico a bem comunicar com quem sofre; o maior drama da Medicina é o médico continuar a olhar linearmente para a doença sem perceber que esta é a linguagem do Idoso que, através do seu corpo, lhe pede ajuda para o seu sofrimento, a sua angústia, a sua solidão, o desprezo a que o sujeitam no esquecimento; sem perceber que o Idoso vive a sua Dor, para além da biofísica, num “futuro” feito de angústia no qual há ruminações de morte; sem perceber que a sua doença é já uma tentativa, a sua tentativa, de se curar; sem perceber que o Idoso sofre essencialmente do pensar e do sentir, - o maior dos sofrimentos.

A classe social que maior significado tem para o Idoso é a Família que deverá sempre ter presente que ajudar o Idoso não é substituí-lo no que ele possa fazer; ajudá-lo é permitir que ele continue a viver as suas experiências confiadamente, em liberdade, sem inibições; é alimentá-lo na esperança de poder sempre superar-se. Deverá saber também que o seu familiar idoso é um ser diferenciado, porque idêntico a Si mesmo, pelo que lhe deve conferir o direito de ele ser o que É e não o que entenda ou o que deseje que ele deva ser; porém, infelizmente há alguns velhos que, por não amadurecerem, devem ser orientados nos seus comportamentos; refiro-me exclusivamente àqueles que só envelheceram e se transformaram em pretorianos do passado, àqueles que convertem o mando em tirania quando, sedentos de poder, julgam que o poder se lhes escapa; não aprenderam que a tirania é um percurso sem fim nem esperança.

Jovem, Tu que por enquanto vives a tua juventude, não te desprezes em antecedência, não te humilhes em antecipação, esquecendo a existência do Velho ou desvalorizando o envelhecer. Tu estás a envelhecer.

Ser velho é um privilégio; ser jovem é um compromisso.

Luta hoje pelo que desejarás amanhã para a tua velhice. Ajuda com vigor e com fé, aquela fé que não dá certezas mas estimula a acção, a construir uma sociedade que servirá os teus interesses que estão chegando do futuro.

Ultrapassa o medo que a velhice te imprime e que te leva a segregá-la, a esquecê-la ou a ignorá-la.

Despreza a beleza estereotipada por inexpressiva. O Ser humano só tem uma cara quando a existência, vivida com emoções, lhe risca a face; essa é a Beleza.

Tu, meu querido Velho, não te avalies pelo que perdeste; antes aproveita o muito que ainda tens de válido para ofereceres à Comunidade, onde todos nós nos situamos.

E tu, Sociedade, pede, não desprezes, aceita e admira a riqueza que os teus velhos querem oferecer-te.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Metamorfismos da Senescência, uma Problemática de Perspectivas

A senescência relativa à existência do Ser Humano é um processo biopsicossocial que se inicia na concepção, prossegue no nascimento, na infância, na adolescência, na adultícia, na senilidade e termina na morte. É um processo que actua durante toda a Vida existencial em progressivo desígnio de libertação e autonomia seguido de involução, também progressiva, na qual há perdas biopsicossociais em razão inversa àquela em que foram adquiridas, rumo à senil(idade).

Este dinamismo metamórfico existencial desenvolve-se condicionado aos espaços e aos tempos em que o ser humano se situa, em dialéctica.

Neste involuir o Senil, começando por desprezar o presente e recear o futuro, retrocede para espaços e épocas antecedentes por ele vivenciadas, nas quais tendencialmente se fixa e vive porque lá, neles, ficaram retalhos da sua vida existencial.

É este um comportamento reactivo, de cariz teleológico, à sua existência, agora morta por sofrimento progressivo de diferença, marginalização, isolamento, solidão, indiferença, depressão, silêncio de ruína, esquecimento, desistência e também, muitas vezes, doença cognitiva-afectiva alzheimeriforme.
É que os tempos e os espaços valem só o seu conteúdo; tempo sem fenómenos não existe, nem espaço sem factualidade. Por isso, o Idoso encontra-se lá e lá experimenta alguma qualidade e justificação para continuar a viver a sua existência.

Este conceptualismo é mais que realidade; é Real, absoluto e é mais que necessário; é imprescindível no pensar a humanitarista assistência ao Idoso, permitindo que ele continue a viver as suas experiências confiadamente, em liberdade e autonomia numa ambiência de qualidade tão boa quanto possível.

Compreender o Idoso é uma problemática de perspectivas e é uma das nobres missões do médico geriatra. Há porém dificuldades.

Porque não é exequível deslocar as vivências do Idoso, fixado no passado, para o tempo presente no qual ele não se revê e encontra desorientação temporo-espacial, tempo incompatível com o seu misoneísmo, com as suas dificuldades adaptativas e a sua bradipsiquia, teremos de ser nós, médicos e cuidadores a deslocarmo-nos aos seus ambientes passados; aqui haverá encontro, entendimento, prazer restituído, vivência gratificante, melhoria dos seus défices psicológicos. Para tanto dispomos de dois instrumento primordiais que são mais “psicomatéria” que matéria prima concreta; eles aproximam-nos do Idoso e permitem que ele revivencie o seu tempo através de diálogo que preencherá algumas horas do seu dia. São eles a música e a fotografia desta época. Esta música, para o idoso não é som para os ouvidos, não é som escrito em pauta; é principalmente sensações, alegrias, paixões, melancolias, erotismo, factualidades, vivências, reminiscências inconscientes agora consciencializadas, reocupações, VIDA. A fotografia dos tempos e dos espaços em que o Idoso se situou são também óptimos auxiliares de revivescências.

O diálogo que resultará destas diligências deverá ser iniciado espontaneamente pelo Idoso e que nunca seja esquecido que dialogar é mais saber ouvir que saber dizer; devemos permitir que o Idoso mitigue a sua necessidade de falar, o que lhe mobilizará a cognição, a memória, a afectividade e também a motricidade.

Percepcionaremos a época e o espaço nos quais o Idoso se fixou não só pela informação de familiares, mas também pelo que o Idoso diz, pelas suas reminiscências e lamentações, e ainda pelos auxílios histórico, geográfico, cultural e o dos “usos e costumes”. Estas terapias, em alguns casos, recuperam para o Idoso tempos mais aproximados pela paulatina memorização das suas vivências, a partir da época em que se fixou para a actualidade; oferecem-lhe qualidade de vida existencial, menor sofrimento e melhores performances comportamentais. Beneficiam também o cuidador protegendo-o da “síndrome burnout”.

A senilidade não deve continuar a ser involução que isola; terá de ser desenvolvimento que socializa, terá de ser encontro, contemplação, humanização. Afinal onde se encontra a força do Ser Humano? Será só no impulso inconsciente inicial para a existência ou será também no desenvolvimento da Vida existencial?

A decadência relacionada com o senescer é principalmente biológica, não é a da verdadeira dimensão do Ser Humano – a espiritual, que é a sua Essencialidade.  Sejamos conscientes de nós próprios.

sábado, 13 de outubro de 2012

Saúde - Doença - Ser Doente, no Idoso


O conceito essencialista de Ser humano entendê-lo-á como entidade espiritual e, por isso, como “Ente abstrato” situado no Tempo; no conceito existencialista, o Ser humano, além de Ser, tem existência conferida pelo seu corpo que ocupa espaço e tempos. Assim, na perspectiva da Medicina, o Homem só pode ser entendido na sua globalidade biopsicossocial e espiritual em situação temporo-espacial e em dialéctica que lhe confere ser também Ser cultural e Ser histórico; Ele contém nas suas ancestralidades Consciência Teleológica da Espécie, expressa no que chamamos “instinto de conservação da Vida”, significando a capacidade inconsciente de manutenção da continuidade da Vida existencial, fiel ao cumprimento dos imperativos finais de perpetuidade da Espécie.

A cisão dualística em Ser e corpo, Eu e os outros, sendo indesejável e só aparentemente válida, é necessária ao estudo do Ser humano. Para estudar é imprescindível, por incapacidade linguística, dividir mas, sem esquecer o conceito de globalidade, sem que mentalmente se deixe de unificar.
Desgraçadamente a escola de ciências médicas, despreocupada, transmitiu-nos noções de cariz dualísta que toldam a transparência do que é real: doença e Saúde, Doente e doença, profilaxia e terapia, evidência e intuição, ilusão e realidade.

Na relação com o Doente, durante as nossas lides, que diferença poderemos encontrar entre a realidade de uma ilusão e a ilusão de uma realidade?!
O concreto e a evidência, não raras vezes, são aparências, superficialidades lineares, são apenas validades, apenas realidades; e digo “apenas” porque o sufixo “idade” confere ao vocábulo, temporalidade; com efeito, “validade” não significa “Verdade”, vocábulo este que contém perenidade; nem “realidade” é o mesmo que “Real”; o Real e a Verdade escondem-se além das aparências sensíveis, são conceitos absolutos e, por isso, inatingíveis e incompatíveis com a Vida existencial. Todavia, estas falsidades e precaridades são-nos imprescindíveis na nossa práxis diária e mesmo em toda a nossa Vida existencial; por conseguinte, não as dispensaremos, mas tenhamos consciência do seu dúbio e limitado valor na compreensão do Ser Doente sofredor.

E doença, o que é?  Quem é o Doente?  O que é Saúde?  

O envelhecimento das comunidades devido não só ao aumento do número de idosos (o absoluto e o relativo), mas também e fundamentalmente à diminuição do número de jóvens, consequência da diminuição da natalidade pelo declínio da fecundidade e pela interrupção voluntária da gravidez, e principalmente devida ao fenómeno da emigração, coage-nos a questionar se os critérios de causalidade que nos têm condicionado, continuarão válidos.
Esta civilização de comunidades envelhecidas, vítima de políticas subvertidas a um desvirtuoso economismo por elas iniciado, que sustenta um agigantado consumismo, confere à doença o estatuto de “coisa-de-mais-valia”, com prejuízo para o Doente sofredor e para o acto-médico e com desvirtuação da Medicina.

A Saúde deve ser entendida como equilíbrio instável e nunca como equilíbrio estável; na estabilidade há conteúdos de morte; numa comunidade, enquanto a juventude e a adultícia a convulcionam com criatividades, a velhice estabiliza-a numa estagnação; a estabilidade, quando duradoura, só na morte se encontra. Saúde é desequilíbrio, inerente à Vida existencial, com capacidades de reequilíbrio.

Ser Doente é Ser perturbado e, por o ser, é também perturbante, perturbação consequente de dialéctica entre a Pessoa e o meio eco-social e também entre a Pessoa e ela própria. O comportamento do Ser Doente a reagir à sua perturbação, na recuperação do seu equilíbrio pode expressar-se em doença. Isto significa que a Pessoa tem doença por ser Doente; não é Doente por necessariamente ter doença e, não raras vezes, até tem doença para não ser Doente. Não obstante, por vezes, perturba-se e É Doente por ter uma doença, se tiver conhecimento que a tem.

Disto se infere que a doença contém uma finalidade teleonómica comum a todo o comportamento do Ser humano, a qual é a de preservar a Vida existencial, pela restituição da Saúde, do equilíbrio. A doença é sempre uma reactividade contra o agente causal, directamente proporcional à vitalidade e á capacidade da Pessoa que a expressa; quando a doença é frágil nas suas expressôes sintomáticas, como acontece no Senil, ela não se cumpre nos seus objectivos e, quando assim é, o prognóstico é reservado e prenuncia morte. No Idoso, a doença é insidiosa, silenciosa, frágil e, por isso, dificulta o diagnóstico que por vezes é tardio. A doença, como comportamento do Ser Doente, é dependente das camadas histórica e cultural e também da época e do espaço geográfico em que o Doente está situado; é po isso que ela não é igual em todos os povos, nem em todo o Ser humano do mesmo povo; nem a mesma doença na mesma pessoa, é  igual no passado, no presente e no futuro, não obstante o presente e o futuro, dessa mesma doença, serem influenciados pelo seu passado; mas, em todo o Ser humano a doença é sempre vivida, para além da biofísica, numa perspectiva de futuro angustiante e, no Idoso, com ruminações de morte, não raras vezes, obsessivas, quase sempre tingidas de depressão. Isto exige que a doença seja personalizada principalmente no Idoso que é Ser fortemente diferenciado. 

Tenho por pertinente, oportuno e necessário, desde já, esclarecer que estes conceitos de doença e de Ser Doente têm por objectivo fundamental guiar-nos na acção de ajuda ao Doente, na farmacoterapia e em outras terapias; necessariamente terão de ser personalizadas e adaptadas ao espaço e ao tempo em que o Doente se situa e deverão aplicar-se muito mais de  acordo com as intenções e com a perturbação que o Doente deixa transparecer durante a consulta, do que com a doença.

Sabemos ainda muito pouco da doença; todavia, do Ser Doente e das terapias sabemos muito menos. 

Para a relação Médico-Doente, a doença é o veículo de comunicação; deveria ser sempre o diálogo afectivo na relação terapêutica, aqui deveria iniciar-se a terapia. Continuamos erradamente a necessitar da doença que justifique a permissão do diálogo entre Doente e Médico e, por outro lado, o diálogo é cada vez mais dificultado pela imposição de normas ditadas por políticas da saúde, as quais insidiosa e intencionalmente se mesclam e se fundam nas problemáticas do consumismo, exigindo que o Médico se comprometa cada vez mais com mais doentes e que supostamente os “observe “ em cada vez menos tempo e assim, a Medicina não acontece. Medicina não é fachada; é missão profissionalizada substancionalizada em psicomatéria cognitiva-afectiva, em humanismo alicerçado em mística que felicita quando não nos ocupamos apenas da doença mas também e principalmente do Doente.

Para o Médico, a doença é o conhecimento que ele tem dela. A doença deverá ser interpretada como psicossomatismo; não raras vezes, é linguagem incisiva, enérgica expressão corporal daquilo que não foi verbalizado, é o reequilibrar da relação inter-individual perturbada e, quando a relação é nula, é o grito de súplica do Idoso para reocupar os outros consigo.
Nesta reactividade de luta pela recuperação da Saúde, em qualquer idade, a doença manifesta-se, preferencialmente, naquelas áreas corporais que, no início, foram atingidas no processo do nascimento: - a pele, pelo atrito ao atravessar o “túnel vaginal”;  os sistemas cárdio-circulatório e respiratório pela onfalotomia;  o aparelho digestivo, pelo início das suas actividades funcionais, quando o bébé começou a mamar; em síntese, quando o nascido inicia a sua “embrionária” autonomia.

A independência e a autonomia têm o seu prêço de complexidades; eis a primeira informação, não captada por inconsciência, na Vida existencial do Ser humano.

A Terapêutica da doença nunca deverá dificultar a acção do Ser, fiel à Consciência Teleológica da Espécie; quero dizer, a terapêutica não deve contrariar as naturais linhas do reequilíbrio, isto é, devemos recusar terapêuticas que e quando interferirem no benéfico e natural esforço de cura, como sejam antieméticos, antidiarreicos, antipiréticos, anti-inflamatórios, entre muitos outros.
A nossa atitude derá ser expectante e de ajuda, de colaboração com a natureza, administrando o fármaco só quando a evolução da síndrome mórbida o exija; a farmacoterapia não cura, mas ajuda a natural e espontânea recuperação da Saúde, quando as defesas são frágeis, quando a doença é inexpressiva, mas também quando a violência da sintomatologia pode pôr em perigo a Vida existencial do Doente. As lutas conduzem a victórias mas também a derrotas.
Enquanto no jóvem devemos considerar a violência expressiva da doença, na senilidade deveremos estar atentos à fragilidade da doença; uma sintomatologia débil, apagada, exige a intervenção farmacoterapêutica que, sendo imprescindível, é de difícil aplicação.
A necessidade da profilaxia, mais que noutras idades, agiganta-se no Idoso; ela deve ser concebida com antecedência, nos critérios de diagnóstico.
O Diagnóstico no Idoso, mas não só neste, deve ser, não o da doença, mas sim o do “Adoecer” e, preferencialmente, o do “Ser Doente”.

A senilidade, não sendo doença tal como a doença não é velhice, constitui todavia um terreno de fragilidades susceptível à instalação de multimorbilidade; a natureza destas fragilidades é não só biopsicossocial por dialéctica perturbante, mas também elas resultam de alterações orgânicas, somáticas e funcionais, consequentes de perda de massa protoplásmica metabolicamente activa, isto é, de células, de perda de corpo e, consequentemente, declínio fisiológico e inevitáveis transtornos metabólicos. Isto considerado, direi que a profilaxia no Idoso deverá fundamentar-se, com adequada antecedência, no combate ao declíneo psico-orgânico e manutenção do equlíbrio físico, psíquico e social na sustentabilidade da sua independência e autonomia.

A Gerontologia e a sua disciplina Geriatria são ciências multidisciplinares, são antropociências elaboradas com antropociências; elas prenunciam mutação nas ciências médicas, elas conferem uma renovação essencial à Medicina.

No Ser humano em senescência, o médico deverá sempre considerar cinco objectivos fundamentais:
  1. Manter a Saúde, através da senescência, pela actividade já que esta é condição “sine qua non” para uma longevidade saudável. Quando falo em actividade refiro aquela com intenções sociais e não a uma sem objectivos, refiro-me à mobilização da cognição, da afectividade e da motricidade na sua elaboração.
  2. Evitar  prioritariamente a morbidez,  o adoecer, pelo estudo das fragilidades do terreno; secundariamente, a doença e a granda invalidez social, entendendo-se por esta o impedimento da Pessoa viver na comunidade e para ela, como todos os outros, embora com alguns condicionamentos de capacidades, ou de possibilidades, isto é, das suas aptidões, respectivamente, centrais ou periféricas.
  3. Curar o Doente, entendendo-se por curar, reequilibrar, adaptar e minimizar ou anular a doença , se houver.
  4. Reabilitar a Pessoa para que se expresse em actividade adequada; note-se que reabilitar não é conseguir um ser humano esteriotipado, tal padrão convencionado pela sociedade, nem é exigir que ele venha a ser como quando era jovem; reabilitar a Pessoa é criar-lhe mecanismos  de adaptação, conciliá-la com Ela própria e solicitar-lhe o máximo possível das suas capacidades e possibilidades na construção dos seus tempos para os outros, evitando assim o egoísmo que, no Idoso,  é temível solidão afectiva; e estimulando também a curiosidade e o conhecimento através da comunicação pela relação inter-individual, evitando assim o isolamento na ignorância que é um modelo, também temível, de solidão cognitiva.
  5. Oferecer ao Idoso condições internas e externas para morrer com dignidade entre os outros, isto é, ajudar a Pessoa a morrer.


Desgraçadmente, sabemos muito pouco do Espaço que envolve a “morte”, o antes, o durante e o depois, nem o que é a “morte”, nem o que é o “morrer”. Mas podemos e deveríamos meditá-la.
Esta problemática não tem lugar neste colóquio; todavia, poderemos ocupar um pouco do nosso diálogo, que se segue, com este enigma tido, desde sempre, como “verdade” dogmática silenciada e guardada no baú dos tabús das religiões.

Termino com as seguintes lucubrações:
  1. O senescer deve ser meditado e a velhice deve ser aprendida em antecedência através de grande investimento no SER. Quem investe apenas no ter, investe  em valores precários e assim se conduz, alienado, para a falência na senilidade.
  2. Ajudar o Idoso não é substitui-lo no que ele pode fazer; ajudá-lo é permitir que ele continue a viver as suas experiências confiadamente, emliberdade, sem inibições; é alimentá-lo na esperança de poder Sempre superar-se, um sempre de todos os instantes.
  3. O Idoso é um ser diferenciado, idêntico a Si mesmo, irrepetível; assiste-lhe o direito de ser o que É, não o que se entenda que deva ser; tem o direito de continuar a ser inconcluso, imprevisível, livre , sensível e dotado de capacidade evolutiva.
  4. O estudo da senescência é uma problemátuca de perspectivas.
  5. A Gerontologia tem de habilitar-se para uma leitura interpretativa dos sinais biopsicossocio-histórico-culturais que se apresentam no Idoso com muitas máscaras comportamentais que vão do sofrer à doença, do sofrer à Saúde e do sofrer à morte.
  6. A Gerontologia deve comprender as diferenças e combater desigualdades psicossociais, fiel a uma intencionalidade de cidadania racionalizada e adequada.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A Consulta em Geriatria


Esta consulta deve ser uma relação bilateral médico-doente, horizontal e empática; por isso, também terapêutica. Se, depois deste encontro, o Doente não se confessar melhorado é porque a relação foi deficitária.

O Idoso deve ser aceite, de modo positivo e incondicional, mais como Ser doente do que como alguém que tem doença.

Ser doente é um ser perturbado, independentemente de ter ou não doença; a doença para o Idoso pode ser comportamento reactivo equilibrante, como seja o de reocupar os outros consigo, quando isolado ou quando o sofrimento da consequente e temível  solidão se anuncia

O médico, perante o Idoso sofredor, mais que saber dizer, deve saber ouvir com humildade intelectual e controle do seu egocentrismo. Saber ouvir é escutar, pensar e sentir o Doente, com emoção.

Durante a consulta, não deve interferir com palavras que roubem o tema ao Doente, nem deve impor um modelo pessoal de comportamento; antes deverá sempre respeitar o modelo de vida do entrevistado, transparecendo autenticidade solidária.

A resposta à informação solicitada pelo Doente deverá ter um efeito terapêutico; para o conseguir, o médico deverá considerar que, no diálogo, são mais importantes os silêncios que as palavras para entender, quando o Idoso diz, a realidade contida no que ele não diz; e, quando o Idoso diz “quero saber tudo”, é necessário saber porque é que o diz e o que, na realidade, ele quer saber. O médico deve conduzir o Idoso à consciência de Si, para que conheça as suas potencialidades e participe na sua própria cura, sendo certo que é sempre o Doente que se cura; o médico ajuda-o a curar-se mas, certo é também que, sem esta ajuda, é quase impossível a cura, assim como ainda ela não se verificará sem a colaboração do Doente.

Não esquecer:
I – que na senilidade não há doença que não seja simultaneamente do somático e do psíquico e que todo o órgão e a sua função estão intimamente relacionados com o Eu que, mediante o processo mental, se anatomiza no cérebro em expressões de emoção e de pensamento.
II – que o Idoso é um ser humano diferente da criança e do adulto que foi, mercê de 5 especificidades que o caracterizam:
  1. Diferenciação; o Idoso, através do seu senescer tornou-se, progressivamente cada vez mais diferente dos outros e mais idêntico a Si mesmo,  desenvolvendo e realçando as suas qualidades,  positivas e negativas, que o foram estruturando desde a infância 
  2. Lentificação (bradipsiquia e bradicinesia); o Idoso lentifica progressivamente os movimentos activos, os passivos e os reflexos, a cinética fisiológica, a percepção, o entendimento, a comunicação, os processos biológicos vitais e os instintos feitos de memória teleonómica da Espécie.
  3. Perda de capacidades adaptativas; a dificuldade de adaptação a novas situações aumenta com a progressão da senescência e do simultâneo declíneo da homeostase.
  4. Misoneísmo, isto é, críptico às mudanças, principalmente nas ideias e nos critérios.
  5. Disfunção dos afectos expressa em labilidade emocional por incontinências emocionais; muitas vezes as lágrimas não chegam aos olhos.
III – que a senilidade não é doença nem é uma idade; é comportamento. 
IV – que a senescência avançada (senilidade), não sendo doença, é factor de risco para a instalação de patologias, sejam elas anatómicas, funcionais, psicológicas ou psicossociais.
V – que a primeira etapa da consulta é avaliar o grau de autonomia e de independência do Idoso não só pela observação do sistema músculo-ósteo-articular, mas também pela qualidade da comunicação.
Quase sempre o ser humano entra na senilidade pela porta da psicopatologia que se ocupa da relação perturbada; a neurose é o seu modelo estrutural porque é uma perturbação da comunicação.
VI – que, para o médico, deve ser mais relevante o “ser  doente” do que o “ter  doença”. Ser Doente é estar perturbado e quem está perturbado é perturbante no ambiente eco-social em que se situa.
VII – que toda a doença no Idoso tende, por si só ou pelas sequelas, para a cronicidade e para a invalidez, pela perda de autonomia e de independência.
VIII – que o Idoso tem maior necessidade de reabilitação, a qual é mais lenta agora que em idades antecedentes.
IX – que no Idoso com doença há, invariavelmente, multimorbilidade e grande susceptibilidade para iatrogenias que resultam de fármacos, de inactividade, de psicoterapias mal formuladas, duma comunicação defeituosa ou até mesmo de carência de intenção; a palavra, quando inadequada ou mal formulada, é perigosamente iatrogénica e pode ter, no Idoso Doente, efeitos devastadores.
X – que o Idoso vive as suas doenças, as reais e as imaginadas, mas todas reais para ele, para além da biofísica, projectando-se  num futuro feito de angústia, no qual há ruminações de morte.
XI – que, no Idoso, a doença é insidiosa, tem frágil expressão, tem sintomatologia larvada, é de diagnóstico difícil e, por isso, não raras vezes, o diagnóstico é perigosamente tardio.
XII – que diagnóstico é o que predomina num terreno com multimorbilidade e que, no Idoso, a polipragmasia terapêutica é um grave êrro pelo perigo de iatrogenia devida a condicionalismos anatomofisiológicos, tais como:
  1. perda de massa protoplásmica metabolicamente activa, isto é, perda de células, o que significa haver menos consumidores para o fármaco, pelo que não deve ser prescrito  na  habitual dose para o adulto.
  2. défice de absorção devido à hipotrofia da mucosa intestinal.
  3. diminuição da albumina sérica.
  4. declíneo e lentidão  do metabolismo hepático.
  5. declíneo da eliminação renal.     
XIII – que, se não for abordado o conflito psíquico, a farmacoterapia  prolongar-se-á e o risco de iatrogenizar o Idoso aumenta.
XIV – que a patologia e a terapêutica no Idoso nunca são redutíveis ao biológico, nem ao psicológico, nem ao social. Elas englobam doenças da comunicação, agressões psicossociais, perturbações funcionais e anatómicas, alterações psicológicas e doenças iatrogénicas e sequelares todas intrincadas pelo que, a consulta do Idoso terá de ser, necessária e imprescindivelmente, transbiopsicosócio-cultural.
XV – que o Idoso quérulo acrescenta às suas doenças sofrimento de inadaptações, de desamor, de inibições, de reminiscências e de medos relacionados mais com o morrer do que com a morte.
A memória no Idoso não é recordação, é antes presentificação permanente e dolorosa de emoções que investem relações e imaginações vividas no passado no qual se fixa. A convergência dos globos oculares traduz um comportamento de fuga para a sua interioridade povoada por aquele passado, moderador da solidão que lhe vive nos seus dias de existência morta.

Resulta assim que a consulta de Geriatria exige do médico disponibilidade e tempo para ver, ouvir e sentir o Idoso que sofre; exige do médico humanismo e solidariedade que é o novo rosto  da Medicina rica de competência, de sabedoria e de compaixão.

sábado, 14 de julho de 2012

Adenda/Comentário à conferência “Seniores – um novo estrato etário e social” de Daniel Serrão


O corpo, com a funcionalidade e as factualidades que lhe são inerentes, é o corolário do nosso pensamento e da nossa emoção.

A motricidade (locomoção) é consequência directa de aptidões periféricas, o mesmo é dizer, é consequência da possibilidade do sistema músculo-ósteo-articular mas, este não funciona sem as aptidões centrais, quero dizer, sem a capacidade  do sistema nervoso central, isto é, sem que o cérebro segregue pensamento e emoção (motivação). São com estas tres acções (cognição, afectividade e motricidade) que o Ser humano, em dialéctica e situado no espaço e no tempo, elabora todos os comportamentos e estes só serão saudavelmente assertivos se as acções se expressarem em alostase/homeostase porque, quando uma destas acções está perturbada as outras estarão comprometidas e, em consequência, os comportamentos fragilizam, perturbam-se também.

É neste contexto que deve ser meditada e estudada a senescência do Ser humano.

O que caracteriza o envelhecimento é uma progressiva mudança comportamental, expressa  em perturbação da relação inter-individual, traduzida em perdas de autonomia e de independência, com alteração da comunicação; é um declíneo dos comportamentos e é muito mais um neuroticismo que somatismo.

Afirmar que ”não é o envelhecimento corporal que conta, é o envelhecimento do cérebro” ou que  “os corpos podem estar perfeitos mas o cérebro deixou de funcionar porque envelheceu” ou ainda  “As pessoas são cérebro...”, não é correcto, são alienantes incorrecções. Então, o cérebro não será também corpo? Não é matéria neuronal?  Não é massa protoplásmica metabolicamente activa?
O número dos idosos é muito superior ao dos dementes; corolariamente, o Idoso não só não é senil por ser demente, como também não é demente por envelhecer.
Uma coisa é doença, outra é senescência; e diagnóstico é o que predomina numa pessoa perturbada e/ou com multimorbilidade. Este critério afasta a iatrogénica, indesejável e funesta polipragmasia terapêutica.

Considerar a Pessoa senil por ter atingido a idade de 65 anos é também aberração social; este conceito é convenção que não só tem por objectivo satisfazer interesses políticos sócio-económicos despidos de humanismo, como também injuria valores antroposóficos.
Velhice não é uma idade, não é patologia; é comportamento.
O Ser humano possui um corpo que lhe confere existência por Ele vivida em comportamentos. Ele senesce no tempo medido e amadurece  em tempo vivido; há idosos mais envelhecidos que velhos, envelheceram mas não amadureceram.
Em actividade  vivemos e “morremos” em inactividade. Existir sem viver a existência é existir esquecido numa ante-câmara da “morte”; há idosos que existem, mas não vivem.
 Os senescentes sofrem, sucessivamente, de: diferença, marginalização, isolamento, indiferença, solidão, depressão, silêncio de ruína, esquecimento, falência do corpo, desistência, “morte”.
Este perturbante conteúdo dos tempos finais da existência  do Idoso traduz-se em lágrimas que inundam a sua interioridade mas raramente chegam aos olhos até que, no estádio de “falência do corpo”, a doença seja manifestada e venha cumprir a “desistência” e justificar a “morte”.

Quando a Sociedade tomar consciência de Si e o permitir,
Ser Velho poderá ser, para todos, um privilégio e,
Ser Jovem tem de ser um compromisso.

domingo, 18 de março de 2012

Vocação, Ética e Lucidez em Medicina


A vida que não é examinada não é merecida porque, sendo inconsciente de si, não percepciona a oportunidade.
Na dialéctica entre a ciência médica e as leis da natureza, são sempre estas que prevalecem.
A ciência médica vale pela procura da Verdade que nunca  alcança; ela conduz-nos apenas a validades que são precaridades, falhadas cópias de falsidades, mas é também a nossa imprescindível muleta que justifica e valida os nossos actos.
A experiência é enganosa; ela e o erro nela escondido são os nossos mestres, quando meditados e consciencializados.
As noções aprendidas na Escola Médica são apenas ferramentas, material utilitário para, perante o Doente, pensar e fazer Medicina; elas não devem ser aplicadas, na sua fria indiferença, o que seria apenas aplicar ciência médica dirigida apenas à doença. Medicina é muito mais e dirige-se ao Doente. Uma doença é um ter; o Doente é SER.
A mesma doença não é igual em dois doentes nem, no mesmo doente, é igual no passado, no presente e no futuro porque, considerando-a num presente einsteiniano, a doença é modelada pelo Doente no seu caminhar peloTempo.
Diagnosticar é entender e sentir o sofrimento do Doente, com ou sem doença; a convicção diagnóstica é o produto da conjugação de sabedoria com  intuição,  opinião,  crença e  afecto, modulados pelo critério da humildade, perante o Doente "Objectum".
A terapêutica do Ser Humano sofredor não é só ciência; é também compaixão, intuição e muita sensibilidade veiculadas no diálogo, fruto da relação empática gerada pela observação recíproca doente-médico.
Observar é relacionar-se, é o despertar do afecto que estimula o pensamento e também o entendimento de sons para-linguísticos, vocalizações do sofrimento feitas de vogais (ai! ui! ó!) que as consoantes moderam formando palavras realçadas validamente pelos silêncios. É esta dialéctica palavra-silêncio concretizada em linguagem corporal gestual  que solicita a terapia onde se encontra o afecto que confere razão e essencialidade à Medicina.
A Medicina é muito mais uma missão que uma profissão. A dignidade e a ética do médico revelam-se só quando ele entende e sente anancasticamente a sua entrega em disponibilidade permanente, através de toda a sua Vida existencial. É por isso que o médico não deve, não pode, sujeitar-se a horários convencionais; o sofrimento também os não tem; é por isso também que a polémica conflituosa que advém do economismo relacionado com a práxis da Medicina é aberrante porque ferida de irracionalidade e conspurcada por minudências inadequadas à qualidade da produção. O Trabalho não é vendível; vale sempre muito mais que o dinheiro que lhe é atribuído. Esta exatidão axiomática de princípio, investida de perenidade, é particularmente agigantada no exercício da Medicina pelo que, constitui uma afronta o abrangimento desta área pelo sindicalismo; o sindicato é indispensável ao operariado e a universos análogos, como o dos “médicos profissionais” com as suas problemáticas económicas, de greves, de “horas extraordinárias”, de condições de trabalho, etc., etc.,etc..
A profissão é paga por valores convencionais relacionados com a unidade de tempo; a Missão vive fora das convenções e o seu tempo não é o tempo do salário. O médico dado à Medicina na sua totalidade deve usufruir,  para sua libertação em benefício de outrem, de independência económica; não deve ser pago pelo trabalho realizado mas sim pago para, liberto, poder trabalhar.
É um grande privilégio ser médico quando a sua interioridade se verte, em compaixão universalizada, na entrega ao sofrimento do Ser- humano, sem horários perturbantes e interesses menores, em catatimia compassiva. Exercer Medicina é um transcendentalismo epistemológico aplicado ao Doente; é um misto de ciência e conhecimento numénico, aquele que vai além das aparências sensíveis.
Este conceptualismo deve preencher, em permanência, a interioridade do Médico, conduzindo-o à dignidade e à resiliência para uma boa saúde mental, força espiritual e Felicidade.